
Vinha de lá, sem grande pressa de chegar, e dirigia-se para além!
Sabia o percurso de cor, porque havia decorado o mapa! Um mapa especial que lhe dizia quais as portas que se abrem e quais as que se fecham. Um mapa que depois de ser decifrado não pode ser contrariado!
Ela sabia que não era suposto parar ali!
Era perigoso.
Encostada ao muro decadente, foi desacelerando o passo, olhou em volta desolada com o que via e não se conteve.
Largou o caderno que trazia na mão, tirou os sapatos, soltou os longos cabelos e certificou-se que não passava ninguém!
Fez o pino, batendo com estrondo com o corpo no muro …
Cerrou os olhos e os dentes, concentrou a força nos músculos dos braços e sorriu ao vencer o medo inicial. Formulou com força um pensamento e susteve a respiração tanto tempo até o cérebro colapsar.
Acordou com a cara magoada. A boca empoeirada e a sangrar, doía-lhe ainda mais que o orgulho.
Arranhou o chão, procurando-o. Apertou-o entre os dedos doridos até que se desfez sob a forma de um pó incolor.
- Avisei-te para teres cuidado com o que pedes.
Não levantou o rosto humilhado para ver quem passava.
– Ai está o mundo que pediste.
Zonza, relembrou o seu último pensamento, antes de inverter o corpo contra a parede.
“ - Quero estar onde não estou.”
Sem conseguir elevar-se do chão procurou o caderno, atirado ao seu lado. O papel negro como o medo, já mil vezes desfolhado, não aceitava as palavras escritas a carvão.
Então, voltando-se, entre o rastejar e o ficar de joelhos, escreveu no muro, em letras garrafais que foram definhando rapidamente à medida que se aproximavam do chão.
“ O mundo está ao contrário! Nada mais é como aprendi que devia ser! As palavras matam e não adoçam… O silêncio já não é de ouro. É corrosão e desolação! Deixei de reconhecer quem passa! Não sei o que estava escrito no mapa. Não sei o caminho para casa, nem me lembro tão pouco se alguma vez a tive! Não sei se passo a porta ou se fujo dela. Sei a linguagem das coisas, porque a penso, mas não consigo dizê-la. Nem os animais que passam perecem compadecer-se com o meu pedido de ajuda. Chamo alguém, de quem não lembro o nome! Não entendo o que me grita o rapaz que olha aterrorizado do outro lado da rua! Não lhe entendo a língua, não consigo ver-lhe a alma através do olhar. Talvez não a tenha! Temo-o, não por ser estranho mas por me ser familiar! Sei no entanto que não é amigo… estaria aqui e não do lado de lá, se o fosse! Não me lembro bem de quem sou. Sei que tenho um nome que, apesar do esforço, não me sai pelas cordas vocais! Acho que não sou a única que o esqueci. Tenho vagas lembranças do que gosto. Devo gostar do quente, pois apesar do sol abrasador sinto o frio de quem está nu, como se tivesse acabo de ser expulsa do ventre da minha mãe.
Sei que é de lá que venho, mas não sei para onde vou quando se acabar esta parede. Por medo de olhar, não sei onde acaba, mas sinto que tem um fim… o que estará para lá dela? Está mais alguém a usá-la para escrever? E se me acaba o carvão do lápis, ou a parede, ou a criatividade para escrever?
E se me lembrar do que passou, de quem sou ou do que fui e, simplesmente, notar que… nada, afinal, há para recordar…
O mundo está ao contrário…
Lembro-me claramente de sorrisos. De ser útil. De passar.
O mundo está ao contrário…
Ou eu estou ao contrário do mundo…
Ou eu e o mundo somos um contrário…
Ou simplesmente contrario o mundo, faço o pino, escrevo numa parede sem fim e recuso-me a ser igual a ele e a olhar para trás.
Quero de volta a capacidade de caminhar, elevada, sorridente e feliz.(No final da frase desenhou um enorme ponto final. Tinha os olhos rasos de agua, que se transformou em lágrima que caiu pesadamente para depois escorrer pelo rosto e dissolver-se no sangue ressequido. Caiu redonda, pesada, solitária e encarnada no chão de pó e ali repousou.)
Com a força da dor e a determinação do ponto, partiu-se a ponta do lápis de carvão…
Por trás de si alguém se aproximou e leu.
Mergulhou o dedo na lágrima ensanguentada e proferiu:
- Cuidado com o que pedes…
Enquanto desenhou no muro, a sangue, um:

2 comentários:
Olho-me nas tuas palavras e desenho um esboço de um sorriso.. Não sei se alegre ou triste..não sei se ousado ou tímido..não sei se no agora ou na nostalgia não do que foi mas do que poderá vir a ser.. Apenas sei que em cada letra me reconheço!!
" Não sei quantas almas tenho
Cada momento mudei
Continuamente me estranho
Nunca me vi nem acabei..
De tanto ser, só tenho alma
Quem tem alma não tem calma..
Quem vê é só o que vê
Quem sente não é quem é
Atento ao que sou e vejo
Torno-me eles e não eu..
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu..
Sou minha própria paisagem
Assisto à minha passagem
Diverso, móbil e só
Não sei sentir-me onde estou..
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que sogue não prevendo
O que passou a esquecer..
Noto à margem do que li
O que julguei que senti
Releio e digo: "Fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu.."
(Fernando Pessoa)
Namasté
Bjs
Mª José(Zé, para os amigos!)
E às 12 horas e 36 minutos... arrancaste de dentro de mim lágrimas!
Que antes eram as que me sufocavam e agora são as que me libertam...
Nunca escreverei assim...
Mas é isso mesmo que sinto!
(vou arranjar uma palavra só para ti! Para te agradecer!)
Um beijo, Lara
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